O Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou, nesta terça-feira (11/3), o julgamento sobre a manutenção do foro especial por prerrogativa de função após a saída do cargo. A decisão consolidou a interpretação de que a prerrogativa se mantém para crimes cometidos durante o exercício da função e em razão dela, mesmo que a ação penal ou o inquérito sejam instaurados posteriormente.
O entendimento predominante foi o do relator, ministro Gilmar Mendes, que defendeu a permanência do foro especial mesmo após o afastamento do cargo, independentemente do motivo. Seu posicionamento foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Luís Roberto Barroso e Kassio Nunes Marques.
Antecedentes
A decisão revisita o entendimento fixado pelo STF em maio de 2018, quando ficou estabelecido que deputados e senadores somente responderiam a processos criminais na Corte se os fatos tivessem ocorrido durante o mandato e estivessem ligados ao exercício da função. Além disso, determinou-se que, ao deixar o cargo, independentemente da razão – renúncia, cassação ou não reeleição –, a apuração seria remetida à primeira instância.
No julgamento atual, dois casos específicos foram analisados. O primeiro envolve a ex-senadora Rose de Freitas (MDB), acusada de corrupção passiva, fraude em licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O segundo diz respeito ao senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que solicitou o envio ao STF da investigação sobre suposta prática de “rachadinha” em 2013, período em que era deputado federal.
Marinho argumenta que ocupou cargos eletivos de forma contínua desde 2007 – foi deputado federal, vice-governador do Pará e, posteriormente, senador. O caso contra ele, atualmente na Justiça Federal de Brasília, foi inicialmente supervisionado pelo STF em 2013, mas foi remetido à Justiça Federal da 1ª Região quando Marinho renunciou ao cargo. Em 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve o processo na primeira instância, seguindo a jurisprudência estabelecida pelo próprio STF em 2018.
Fundamentação do relator
Gilmar Mendes sustentou que a competência dos tribunais para julgamento de crimes funcionais deve ser preservada mesmo após a saída do cargo. Para ele, a regra anterior gerava insegurança jurídica e incentivava estratégias de evasão do foro, como renúncias oportunistas para alterar a jurisdição do julgamento.
Segundo o ministro, a jurisprudência vigente reduzia indevidamente o alcance do foro por prerrogativa de função, permitindo alterações frequentes na competência dos processos criminais e comprometendo a estabilidade da Justiça. Ele destacou que a transferência de ações entre instâncias dificultava a conclusão de investigações e prejudicava a eficiência do sistema penal.
Gilmar também argumentou que a prerrogativa de foro protege os agentes públicos contra perseguições políticas e pressões indevidas, especialmente após deixarem o cargo. Em sua visão, a prerrogativa não deve estar condicionada a critérios temporais, mas à natureza do crime. Ou seja, se a diplomação de um parlamentar não justifica automaticamente o envio do caso ao STF, a saída do cargo também não deveria justificar o deslocamento do processo para a primeira instância.
O relator citou como exemplo o risco de represálias contra autoridades que tomam decisões impopulares, como juízes que determinam medidas cautelares contra políticos influentes ou governadores que confrontam interesses da magistratura ou do Ministério Público no final de seus mandatos.
Além disso, Gilmar ressaltou os prejuízos práticos da oscilação de competência. O caso de Zequinha Marinho, por exemplo, já passou por diferentes instâncias e, mesmo após mais de dez anos, ainda não teve a instrução processual concluída. “Esse andamento errático ilustra os problemas causados pelo entendimento vigente”, afirmou.
Divergências
O ministro André Mendonça divergiu da maioria, argumentando que a prerrogativa de foro se extingue com o término do mandato e que os processos devem ser enviados à primeira instância. Ele foi acompanhado por Luiz Fux.
Mendonça ressaltou que esse entendimento já havia sido consolidado pelo STF desde 2005 e que a mudança contraria a jurisprudência da Corte e o princípio da igualdade. Ele sugeriu algumas exceções, mantendo o foro especial em três situações: quando a denúncia foi apresentada antes da decisão de 2018, mas ainda não analisada; quando a instrução processual já foi concluída e a fase de alegações finais iniciada; e quando o autor da ação já tiver pedido o arquivamento do caso.
O ministro Luiz Edson Fachin também defendeu que o foro se restringe ao período de exercício do cargo, argumentando que sua manutenção após o fim do mandato seria uma forma de perpetuar privilégios incompatíveis com a Constituição. A ministra Cármen Lúcia, por sua vez, sustentou que o foro especial não se aplica à pessoa, mas à função pública que ela ocupa, e, por isso, não deve ser estendido além do mandato.
Reflexos e desdobramentos
O julgamento pode ter implicações diretas em outras investigações que envolvem políticos, como o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco. A investigação foi enviada ao STF após a Polícia Federal apontar o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido) como um dos mandantes do crime. Na época do assassinato, no entanto, ele exercia o cargo de vereador no Rio de Janeiro.
Com essa decisão, o STF redefine os contornos do foro por prerrogativa de função, alterando o entendimento estabelecido em 2018 e reafirmando a competência dos tribunais superiores para processar autoridades mesmo após o fim de seus mandatos.
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